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terça-feira, 20 de agosto de 2013

POR UMA POLÍTICA DE FORTALECIMENTO DO SUS.

Prof. Dr. Antônio Gonçalves Filho, SMHM. 
             
           A saúde entrou na pauta do debate nacional a partir das manifestações populares dos últimos meses e das pesquisas de opinião que a colocam como uma demanda urgente da população brasileira. Sob pressão popular, o governo do PT tenta dar uma resposta célere através pactuações nacionais e do programa Mais Médicos, que propõe (1) criar mais vagas para os cursos médicos de graduação e residência médica (pós-graduação lato sensu); (2) aumentar em dois anos a formação médica, que passaria de seis para oito anos, sendo os dois últimos anos realizados obrigatoriamente na rede SUS e (3) enviar médicos brasileiros e estrangeiros para o interior do país e periferia das grandes cidades, por um período de três anos, que poderá ser prorrogado, e pagamento de bolsa mensal no valor de 10 mil reais, além de incentivo inicial de 30 mil reais.
           O SUS foi criado, a partir do movimento da reforma sanitária, para se contrapor ao modelo de assistência à saúde implementado no Brasil durante a ditadura militar – curativo, individual, assistencialista, médico-centrado, hospitalocêntrico, superespecializado, orientado para o lucro e favorecimento do complexo médico industrial – que era altamente excludente, insustentável financeiramente e incapaz de dar resposta às necessidades de saúde da população. Como alternativa se propunha a reorientação desse modelo assistencial através da criação de um Sistema Único de Saúde estatal orientado pela atenção básica e guiado por princípios como a universalidade, integralidade e equidade. Era a partir desses pressupostos essenciais que se via a possibilidade de superar a má distribuição regional e local de profissionais da saúde, a concentração destes no setor privado. Entretanto, após 25 anos de SUS e 10 anos de governos petistas vemos que as opções políticas feitas definitivamente não levaram à superação do primeiro modelo. Ao contrário, ele convenientemente tem sido remodelado e adaptado às necessidades do complexo médico-industrial que, sem enfrentamento, continua mais forte, influente e poderoso do que nunca. O programa Mais Médicos é apenas mais uma tentativa atabalhoada do governo federal de resolver um problema histórico e minimizar futuros danos político-eleitorais.
           O investimento na atenção primária em saúde e a valorização da UBS como porta de entrada para o sistema, é certamente a saída para os problemas hoje enfrentados pelo SUS. Uma boa cobertura por equipes da Estratégia Saúde da Família, com profissionais bem formados e com um plano de carreira sólido, permitirá a promoção da saúde, a prevenção de doenças e a melhoria da qualidade de vida da nossa população.

 2. Ampliação de vagas e a qualidade da formação

            A abertura de novas escolas médicas e o aumento de novas vagas para medicina podem piorar a formação médica se não vierem acompanhados da democratização do acesso e do aumento de investimentos públicos, por isso defendemos 10% do PIB para a educação pública. É inaceitável que a situação atual sirva de pretexto para que investimentos públicos migrem para a iniciativa privada através do PROUNI ou do FIES, com tem ocorrido nos últimos anos. O acesso aos cursos de medicina, de um modo geral, tem favorecido os estudantes que tiveram um ensino médio em escolas particulares e que pertencem a um estrato social mais favorecido economicamente e que costumam trabalhar, após a graduação, para a iniciativa privada como profissionais liberais, prejudicando a população que depende do SUS. Precisamos romper com esse ciclo vicioso. O Maranhão tem a pior proporção de médicos por habitantes e também o menor número de vagas para medicina. A Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a instituição que mais forma médicos no Maranhão, 100 médicos/ano, aderiu ao Sistema de Seleção Unificado (SISU) de modo integral e hoje a maioria das vagas locais para medicina são ocupadas por estudantes de outros Estados, para onde pretendem regressar após a conclusão do curso, agravando com isso a carência estadual de profissionais médicos. Foram criadas novas vagas para medicina na UFMA, alocadas nos campi de Imperatriz e de Pinheiro, cidades cujos sistemas de saúde locais estão muito aquém do desejável e do mesmo modo os cenários de prática, fatores quem põem em risco a qualidade da formação de futuros médicos, caso não sejam feitos os investimentos necessários.

 3. A qualidade da formação de recursos humanos para o SUS.

             Nos últimos anos, foram feitas várias tentativas de formar um profissional de saúde capaz de atuar na atenção primária em saúde, através da Estratégia Saúde da Família. Durante a década de 90, uma Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação das Escolas Médicas (CINAEM) constatou que a formação do médico no Brasil era centrada na doença e não na saúde, estruturalmente hospitalocêntrica, distante das necessidades do SUS. Em 2001, novas diretrizes curriculares foram propostas para os cursos médicos no Brasil a partir das contribuições da CINAEM e surgiram programas de pretendiam valorizar a atenção primária em saúde como o VER-SUS, uma estratégia de vivência no SUS para estudantes dos cursos de saúde, e o Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares para os cursos de medicina (PROMED). Nesse contexto, surgiram depois o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS) e os Pólos de Educação Permanente do SUS. Em 2005, o governo lançou o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde, o PROSAÚDE, que abrangia inicialmente, além dos cursos médicos, os de enfermagem e odontologia, na perspectiva de construção de equipes de saúde e não centrar apenas na figura do médico. A proposta era ampliar os conteúdos relacionados ao SUS, em especial à atenção primária, nos currículos dos cursos da área da saúde; incluir as Unidades Básicas de Saúde (UBS) como cenários de prática e a Problematização como a metodologia de ensino preferencial.
              A concepção teórica de tais iniciativas tinha respaldo de educadores, pesquisadores, gestores e entidades da área, porém os principais nós críticos foram a contratação de novos professores e a adequação dos cenários de prática (UBS), ou seja, faltaram investimento público e vontade política para a implementação das mudanças. Na UFMA e de um modo semelhante na maioria das universidades brasileiras, os novos docentes para os cursos médicos continuaram sendo contratados para uma especialidade específica, ficando o clínico geral e o médico de família e comunidade sem espaço para contribuir com essa nova e necessária formação médica. O problema da formação não vai ser resolvido com o prolongamento do curso de medicina ou com a obrigatoriedade antidemocrática de um serviço civil obrigatório para o médico ou qualquer outro profissional de saúde, mas através do fortalecimento de políticas de formação durante a graduação como as citadas acima, cujos efeitos só poderão ser percebidos a longo prazo. Felizmente o governo recuou na proposta de prolongar o tempo dos cursos de medicina. Assim também deve ser pensada a pós-graduação, hoje fortemente regulada pelas leis do “mercado”, onde são escolhidas especialidades mais rentáveis economicamente. Um exemplo desse modelo distorcido foi o que ocorreu com a Pediatria. Aqui em São Luís, nos anos 90, devido à baixa remuneração, as vagas para Pediatria na residência médica ficavam ociosas, o mercado era quem regulava a escolha da especialidade. Com o passar dos anos, foram formados poucos pediatras e hoje têm-se uma dificuldade enorme de acesso a esses profissionais, com todas as danosas conseqüências para a população. Se o Estado brasileiro tivesse uma política efetiva de formação de recursos humanos, tal fato não ocorreria.

 4. A importação de médicos sem revalidação de diploma.

              A proposta de atrair médicos para o interior do Brasil e periferia das grandes cidades, onde efetivamente faltam médicos, mal distribuídos que estão nas regiões do Brasil, vem acompanhada da ausência de direitos trabalhistas. Serão oferecidas bolsas de aperfeiçoamento em serviço, mas sem vínculo empregatício, a serem pagas pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), uma inconstitucional terceirização da gestão pública (para dizer o mínimo), que também custeará as outras despesas do programa, sem licitação! Os médicos estrangeiros que desejam trabalhar no país devem passar no exame de revalidação do diploma (REVALIDA) e comprovar proficiência na língua portuguesa. Se estivéssemos diante de uma crise humanitária, a dispensa dessas exigências seria aceitável, mas não é o caso. Condições mínimas de segurança quanto à qualidade de formação de médicos estrangeiros devem ser garantidas à população usuária do SUS. Os cubanos têm reconhecimento internacional na qualificação de seus profissionais médicos para o trabalho na atenção primária em saúde. Um intercâmbio com esses profissionais, mediado pelas universidades públicas brasileiras, certamente contribuiria na formação de nossos profissionais médicos e não-médicos, porém a vinda desses trabalhadores não pode ocorrer sem que eles detenham o controle da sua mais valia, hoje controlada pelo governo cubano.

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