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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

ACROMEGALIA E SCHWANNOMA VESTIBULAR (Complexo de Carney?): Um caso incomum.

Laís Lucena Silveira - SILVEIRA, LL – UNICEUMA e SMHM;  Iracema Gomes Lucena Silveira - SILVEIRA, IGL – UNICEUMA;  Viviane Chaves de Carvalho Rocha - ROCHA, VCC – HUUFMA;  Maria de Fátima Barros Sales - SALES, MFB – UNICEUMA;  Marcos Alves Lemos - LEMOS, MA – UNICEUMA;  Iracema Gomes Lucena Silveira - SILVEIRA, IGL – UNICEUMA.

INTRODUÇÃO
A acromegalia, causada pela hipersecreção do hormônio do crescimento (GH), e se caracteriza por aumento das partes moles e artralgias, com consequente elevação dos níveis plasmáticos de GF-I. Acomete mais o sexo feminino, entre a 3a e 4a décadas de vida.
Schwannoma vestibular é um tumor no nervo vestibulococlear, de crescimento lento e natureza geralmente benigna. É um tumor incomum e de baixa incidência, que afeta mais mulheres adultas entre 30 e 60 anos.  
O Complexo de Carney (CNC) pode ser definido como uma forma de neoplasia endócrina múltipla familial de herança autossômica, associada a alteração de pigmentação cutânea e de mucosa, doença nodular pigmentosa primária das adrenais, mixomas cardíacos e cutâneos, adenomas hipofisários produtores de GH e PRL, carcinoma de tireóide, além de cistos ovarianos.

OBJETIVOS
Relato de caso de associação de Acromegalia com Schwannoma ocorrido no HUUFMA, São Luís – MA.
(RELATO) MATERIAL E MÉTODO: TML, 60 anos, casada, natural e residente em São Luís, MA. Paciente diabética há 03 anos, hipertensa, obesa, ex-tabagista, acromegalia com diagnóstico há cerca de 03 anos, em uso de Sandostatin 20mg, Crestor 10 mg, Atacand comb 16/2,5mg, Somalgin cardio 100mg, Glifage XR 500mg 3x e Galvus 50mg 2x. Paciente foi diagnosticada com schwannoma do nervo vestibular em conduto interno direito por queixas de zumbido. Relata que o Pai faleceu aos 77 anos, também com acromegalia, tireoideopatia e CA de próstata. Refere ainda que realizou colonoscopia há 04 anos (normal-SIC). À RM da hipófise revelou lesão de 0,9 x 1,1 x 1cm. Em 11/02/14, sem uso de sandostatin,realixou exames: GH 0,15ng/ml, IGF1 197  (81-225), função tireoidiana e prolactina normais. Ao diagnóstico de acromegalia, em 27/09/10: IGF-I 732 (81-125). A paciente segue em uso de medicação regular (sandostatin 20 mg.

CONCLUSÃO:  Schwannomas vestibulares acometem o VIII par craniano, responsável pelo equilíbrio e audição. Geralmente crescem lentamente e em muitos casos, sem sintomatologia aparente.
 Estes tumores podem apresentar sintomas relacionados com perda auditiva. Dentre os achados da paciente, chama atenção o fato de seu caso reunir 02 critérios maiores (Schwannoma melanótico e Acromegalia) e 1 critério suplementar para o diagnóstico de Carney (parente de primeiro grau afetado, também diagnosticado com acromegalia).
 A associação dos diagnósticos de acromegalia e schwannoma vestibular é incomum. Pode haver uma associação entre as duas patologias quando na existência do Complexo de Carney. A conclusão de ambos os diagnósticos pode ser demorada, uma vez que a progressão das doenças é lenta e os sintomas manifestos em curto período são inespecíficos.
 Os casos existentes merecem uma avaliação criteriosa e exames específicos. A paciente continua o acompanhamento e na busca por outras alterações sugestivas para Complexo de Carney.

REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, M.Q; VILLARES, M.C.B.F;  MENDONÇA, B.B. Complexo de Carney: Relato de Um Caso e Revisão de Literatura. Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Arq Bras Endocrinol Metabol vol 48 nº4, Agosto 2004.
TEIXEIRA R., LOURENÇA C., COELHO L., VIEIRA H., RAMOS D., CASTRO G., MONTEIRO P., DONATO P., FERREIRA M. J., PROVIDÊNCIA, L. A.  Complexo de Carney a propósito de um caso clínico. Rev Port Cardiol 2009; 28 (2): 211-222.
NUNES, et al. Possible association between Carney Complex and Multiple Endocrine Neoplasia type 1 Phenotypes. Arq Bras Endocrinol Metab 2008;52/8




terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

OSVALDO DA COSTA NUNES FREIRE: MÉDICO, POLÍTICO E GUERREIRO.

Hamilton Raposo Miranda Filho, AMM.


Osvaldo da Costa Nunes Freire, nasceu no dia 06 de dezembro de 1911, maranhense de Grajaú, filho de Feliciano Antônio Freire e Olindina da Costa Nunes Freire.
Órfão ainda criança com menos de 01 ano de idade, período em que faleceu seu pai, Feliciano Antônio Freire. Cresceu ao lado da mãe valorizando o espirito familiar, a união e o trabalho. A sua mãe, típica sertaneja, exerceu forte influência na sua formação moral. Avessa a qualquer situação que não fosse o trabalho, Olindina da Costa Nunes Freire, influenciou o seu filho às coisas da família, ao trabalho honesto e ao tratamento respeitoso ao próximo. Marcas que Osvaldo da Costa Nunes Freire levou para sempre e este foi o seu primeiro aprendizado: moral e respeito ao próximo.
Após enfrentar todas as dificuldades do sertão maranhense, viúva e com duas crianças para criar e educar, Olindina da Costa Nunes Freire, vislumbrando um futuro melhor para a família, resolve, em companhia dos filhos, Osvaldo da Costa Nunes Freire e Gerson da Costa Nunes Freire, cruzar a fronteira da terra natal e foi morar na cidade de Coroatá.
Estabelecidos em Coroatá, Osvaldo da Costa Nunes Freire, conclui o ensino básico e decide conquistar um lugar de destaque no Maranhão. Seguiu para São Luís onde conclui o ensino secundário e o cientifico no Liceu Maranhense, direcionando a vela do barco da vida em sentido contrário ao que soprava o vento da adversidade, em um vetor que indicava a direção da vitória, mesmo que ventos procelosos pudessem tentar tirá-lo do caminho desejado.
Após a conclusão do curso científico, com a ajuda marcante e decidida do seu avô materno, Coronel Jeferson da Costa Nunes Freire, grande fazendeiro e pecuarista nas cidades de Coroatá e Vargem Grande, político influente e deputado estadual, direciona decididamente Osvaldo da Costa Nunes Freire para os estudos, em particular a Medicina. Assim segue então, com a ajuda do avô, para o estado da Bahia, e em Salvador, é aprovado para o curso de Medicina.
O irmão mais velho, Gerson da Costa Nunes Freire, seguiu o caminho da vida religiosa e se tornou um brilhante sacerdote da Igreja Católica, Monsenhor Gerson da Costa Nunes Freire.
Em 1938 após cinco anos de exaustivo estudo, formou-se em Medicina pela Universidade da Bahia, com ênfase e devido reconhecimento, por sua participação no internato da Cadeira de Clínica Médica.
Em 1939 especializou-se em Obstetrícia na Maternidade São Cristóvão, no Rio de Janeiro, sendo aluno do Professor João Pereira Camargo. Em seguida, no Hospital Gafrée Guinle, especializou-se em Ginecologia, no serviço do Professor Clóvis Correa da Costa. Na Santa Casa de Misericórdia, também no Rio de Janeiro, especializou-se em Técnica Cirúrgica, com os Professores Doutores Mariano de Andrade e Raimundo Brito e, no Hospital Central do Exército especializou-se em Cirurgia Geral, com o Professor Ernestino de Oliveira.
No início da década de 1940 estagiou em Buenos Aires, Argentina, no Hospital Rivadavia no setor de Obstetrícia e no Hospital Alvear no setor de Ginecologia e Obstetrícia, além do Curso Intensivo de Traumatologia no Hospital dos Servidores, na cidade do Rio de Janeiro.
Concluído o ciclo de especializações, retorna a São Luís onde monta consultório e passa a exercer a Medicina, dedicando-se a Ginecologia e Obstetrícia.
Em 1946 inicia sua vida pública e exerce o cargo de Secretário de Estado dos Negócios de Saúde e Assistência Social no Maranhão. Em 1948 exerceu o cargo de Diretor do Pronto Socorro Getúlio Vargas. Em 1950 passa a ser Chefe do Serviço de Higiene e Segurança do Trabalho no Estado do Maranhão. Nesse mesmo ano assumiu a Chefia da Inspetoria Regional do Serviço de Assistência Médico-Cirúrgico-Social ao Trabalhador.
Em 1951 foi eleito Deputado Estadual, onde exerceu o mandato até 1955, sendo reeleito em 1955/1959 e 1959/1963, época em que foi Presidente da Assembleia Legislativa.
Foi Presidente da Federação das Associações Rurais do Maranhão, Presidente do Diretório Regional da UDN – Maranhão e Presidente do Conselho Regional do Serviço Social Rural no Maranhão.
Foi filiado a UDN (União Democrática Nacional), PST (Partido Social Trabalhista) e PSD (Partido Social Democrático).
Foi eleito Deputado Federal em 1966 pela ARENA (Aliança Renovadora Nacional), assumindo a legislatura em 1967. Foi reeleito Deputado Federal em 1971.
Foi Vice-Presidente Regional da Arena e como Deputado Federal, no exercício parlamentar, ocupou a Comissão de Agricultura e Política Rural, Comissão da Saúde e as Comissões Especiais Polígono das Secas e Valorização Econômica da Amazônia.
Foi membro de diversas delegações da Câmara dos Deputados em viagens de trabalho ao exterior.
Tribuno inteligente costumava defender os interesses políticos com respostas desconcertantes, sempre deixando seus interlocutores ou adversários sem respostas. Outras vezes aplicava a lei da física: toda ação corresponde a uma reação. Deputado que se fez respeitar por sua honestidade, palavra empenhada e zelo pelo patrimônio público.
Em 1974 foi indicado pelo Exmo. Presidente da República, General Ernesto Geisel, para o Governo do Estado do Maranhão, assumindo o mais alto escalão da Política Estadual em março de 1975. O Vice-Governador indicado era o médico cardiologista Dr. José Murad.
Dr. Osvaldo da Costa Nunes Freira administrou o Maranhão valorizando especialmente o homem do campo e os negócios da agricultura e pecuária. Em seu Governo foi criado o Matadouro Industrial e a Usina de Pasteurização de Leite. Inaugurou os Conjuntos Residenciais do Vinhais com 1.632 unidades residenciais, Bequimão com 1.190 unidades residenciais, Turu com 767 unidades residenciais e Angelim com 654 unidades residenciais. Todos esses conjuntos foram entregues com infraestrutura completa, creche, centro de saúde, escola integrada do 1º e 2º grau, centro de abastecimento (mercado), centro social urbano (CSU), centro comercial, delegacia de polícia e administração. É do seu Governo o projeto do Complexo Esportivo do Maranhão (Castelão) e a Ponte Bandeira Tribuzi. O governo Nunes Freire foi voltado exclusivamente para o campo, em particular a agricultura, não tendo construído nenhuma obra de “fachada”, todas tinham o homem em primeiro lugar.
Enfrentou desafios e desafetos notórios, problemas de saúde, adversidade política e oposição implacável. Concluiu o seu governo de maneira altiva, punindo exemplarmente um secretario de estado que se negou a cumprir uma ordem que beneficiava os funcionários públicos, a fim favorecer o governador que assumiria o seu cargo. Ficou para a história como um homem, correto, honesto e trabalhador.
Em gesto de grandeza democrática em um Brasil que vivia ainda de exceção, Osvaldo da Costa Nunes Freire em março de 1979 passa a faixa de Governador do Estado do Maranhão para João Castelo Ribeiro Gonçalves, político adversário e que fora escolhido pelo Exmo. Presidente da República, General João Batista de Figueiredo, para o Governo do Estado.
Saiu da cena política e retorna à vida privada, não mais exercendo a Medicina, passa a cuidar dos seus negócios, principalmente agropecuários, na cidade de Vargem Grande e Coroatá, em companhia da família e da presença permanente, estimulante, conselheira e participe ativa de todos os seus êxitos a sua amada esposa, Delci de Araújo Nunes Freire.
No dia 06 de junho de 1986 Osvaldo da Costa Nunes Freire se despede da vida e ingressa no Memorial dos Inesquecíveis!
Osvaldo da Costa Nunes Freire é Patrono da Cadeira Nº 33 da Academia Maranhense de Medicina.

AGRADEÇO A FAMÍLIA NUNES FREIRE, EM PARTICULAR AO DR. LUÍS CARLOS NUNES FREIRE E VIRGINIA NUNES FREIRE, PELAS RELEVANTES INFORMAÇÕES.

 

domingo, 29 de dezembro de 2013

A QUEM INTERESSA A HISTÓRIA DA MEDICINA?

Aymoré Alvim, médico; professor universitário. AMM, SMHM e IHGM.

            São Luís sediou, no período de 26 a 28 de novembro passado, o II Congresso Maranhense de História da Medicina. Regular presença de alunos dos cursos de Medicina, poucos de outras áreas da saúde e quase nenhum de outros cursos fora do que chamamos de campo da saúde. E médicos? Ah!, esses? Muito raros. Mas eles não têm culpa da formação tecnicista ou cartesiana que o Sistema impingiu à nossa formação. Por isto, resolvi escrever este artigo.
            Primeiramente, busquemos saber do que se trata. É uma ciência, ramo da História Geral, que estuda a saúde e a doença, na sua dimensão histórica e espacial, com vista à promoção, prevenção e cura, ou seja, promover e restabelecer o prazer de viver, dilatando, nas palavras de Botelho, J. B., os limites da vida. Não é isso que todos queremos?
            Ora, se a promoção do bem-estar e a prevenção da dor ou doença são os objetivos de todos nós que gostamos de viver bem e por muito tempo, logo o conhecimento desses valores através das sucessivas civilizações que encontramos na História da Medicina justifica ser ela do interesse de todas as pessoas que fazem isto diariamente sem se aperceberem.
Enganam-se, pois, os que pensam que Medicina é apenas uma prática de cura, monopólio dos médicos. A Medicina, desde os primórdios, é a busca do prazer de viver, do bem-estar para onde converge todo o conhecimento que o homem (Homo, inis = pessoa, sem preconceito de gênero ou sexo), vem produzindo ao longo da sua história
            Por exemplo, a Arquitetura e a Engenharia quando projetam ou executam uma construção residencial buscam, antes de tudo, a salubridade ambiental, verificando incidência de raios solares, de correntes de vento, produção de ruídos, de forma a proporcionar ao cliente uma moradia num ambiente saudável. Isto não é promover e preservar a saúde? Logo, estão fazendo Medicina.
            Tomei esses dois exemplos, que a princípio parecem distantes do que chamamos de arte de curar, para mostrar que a História da Medicina, que traz os fundamentos desses conhecimentos, é de interesse geral, independente de profissão ou campo de trabalho.
            Mas isto tudo tem uma razão lógica. Não são apenas elucubrações elaboradas em noites de vigílias. Senão vejamos: O homem, segundo estudos científicos conduzidos pela Paleoantropologia, quando começou a raciocionalizar e questionar a sua existência, isto é, a perceber o seu lugar e a sua importância, no ambiente onde vivia por volta de 40.000 a 50.000 anos atrás, as suas primeiras preocupações se voltaram para duas ações específicas: afastar a dor ou doença que o incomodava e por isso queria saber a sua origem para buscar a cura de seus males. Para isto, teve que transcender e encontrar nas divindades a causa dos seus sofrimentos. Criou, assim, a Religião.
            Sabendo a origem, buscou a solução e a proteção do seu prazer de viver, nas invocações às divindades e com uso de material biológico e químico retirados da natureza. Estava criada a Medicina ou a Arte de Curar.
            Como vemos, Medicina e Religião nasceram juntas, são irmãs gêmeas. Uma na dependência da outra. São comportamentos humanos que nortearam todo o processo civilizatório ao longo do tempo. Com elas o homem se organizou em grupos, tribos, famílias e nações. Ambas estão no cerne da nossa cultura.
            Logo, conhecer Religião e Medicina ou Medicina e Religião é conhecer o próprio homem, na sua saga através da história.
            Atualmente, a Medicina tem envolvido cada vez mais o paciente, no cenário de cura. A hegemonia histórica do médico, que ainda persiste em graus variados, vai cedendo lugar à decisão do paciente, na condução do seu processo de cura. Em decidir o que melhor lhe aprouver.
            Outro modelo que vem demonstrando isto é o já conhecido Medicina Baseada em Evidências. A velha e propalada experiência clínica deve se apoiar em evidências fundamentadas em provas científicas. Isto me faz lembrar que o antigo médico, curandeiro dos tempos pré-históricos, que funcionava como o mediador entre os doentes e os deuses, volta ao mesmo papel como o pontífice entre o seu paciente e a ciência.      
           Isto em nada lhe diminui a responsabilidade de condutor do processo, mas nos mostra como a crescente participação do paciente  vem evoluindo, ao longo do tempo, como descreve a História da Medicina, o que também fortalece a ideia de que seu estudo é de interesse de todas as pessoas.
Portanto, volto a lhes perguntar: A quem interessa, então, o estudo ou o conhecimento da História da Medicina? Como vimos, o que nela contem é do interesse de todos sem exceção, independente de confissões e profissões.

            Isto é o que eu penso. Você que está lendo este artigo pode até não concordar comigo, mas que vai achar tudo isto bem racional, tenho certeza que vai.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A MEDICINA PEDE APOIO AOS PARLAMENTARES MARANHENSES.

Ruy Palhano, Neuropsiquiatra, SMHM, AMM.

            Com todo respeito aos caros leitores deste importante Jornal Pequeno me dirigirei especialmente aos parlamentares maranhenses, Deputados Federais e Senadores, pois na terça feira dia 20 votarão dois temas polêmicos neste país: os vetos que a Presidente Dilma Rousseff concedeu à lei denominada Lei do Ato Médico e o MP 621 que trata do Programa Mais Médico.
                            Ambas as matérias são muito importante para a saúde pública brasileira. Uma a meu ver técnica e ética, pois trata da vinda de médicos estrangeiros para trabalharem em nosso país sem o exame tradicional de reavaliação do diploma destes médicos (REVALIDA), fato que poderá causar problemas à população por não se saber sobre a competência, a experiência e as habilidades técnicas destes médicos.
                          A outra situação que será votada pelos Srs. diz respeito aos 10 vetos, realizados pela Presidente Dilma Rousseff, sobre a lei que institui o Ato Médico que nada mais é que um conjunto de normais e regras que estabelecem e definem a função do médico brasileiro. Esta lei já tinha sido aprovada pelos Senhores no Congresso Nacional na íntegra e, de forma desrespeitosa e antiética rasgam-na desconsiderando todo o esforço que os Senhores parlamentares desprenderam, juntamente com o órgão que representam a nossa classe médica, bem como outros órgãos representativos de outras profissões ao longo destes 12 últimos anos.
                        Todos os vetos foram largamente examinados tecnicamente e se constatou que os mesmos carecem de sentido técnico e ético para garantir sua aplicabilidade. Entre todos os vetos o mais acintoso é o que concerne ao artigo 4º desta Lei que tira literalmente do profissional médico a prerrogativa do diagnóstico e respectivamente do tratamento das enfermidades humana. Este veto simplesmente mutilou nossa profissão, foi um ato inconsequente e impensado do ponto de vista técnico, histórico e político que entre outras coisas rasga a tradição da medicina umas mais antigas profissões do mundo.
                      Só a guisa de esclarecimento: Diagnóstico é um termo proveniente do grego que significa conhecer (dia= através de; e gnos = conhecimento). É uma das mais importantes etapas da prática médica, pois é através dele que se garante a efetivação de um tratamento. Não se faz tratamento sem diagnóstico. Sem diagnóstico estamos cegos e não sabemos o que fazer a nenhum enfermo que nos procura. Quando alguém busca o médico entre outras coisas ele espera que este médico lhes diga o que ele tem, o que pode acontecer com ele e como será realizado seu tratamento.
                   Quando a Presidente da República retira do médico esta prerrogativa ela mata a lei e o médico, o mesmo que lhe salvou a vida. Todo seu argumento alega que o Art 4º desta lei provocaria problemas na execussão de alguns programas do SUS tais como o de prevenção e controle à malária, da tuberculose, da hanseníase e das doenças sexualmente transmissíveis. Alegando ainda que a sanção do texto original poderia comprometer as políticas públicas da área de saúde, além de introduzir elevado risco de judicialização da matéria.
                  Diante disso os órgãos que representam a classe médica argumentam que os diagnósticos realizados por outros profissionais da área da saúde estão garantidos pelo § 2º do Art. 4º e pelo § 7º do Art. 4º. É uma interpretação errônea dizer que a prerrogativa do diagnostico médico e o respectivo tratamento (Inciso I) impediria a continuidade de programas do SUS. Quanto aos programas de prevenção e controle citados são conduzidos por equipes multiprofissionais que contam com a presença do médico. No ingresso de um paciente em um programa de saúde pública, quem faz o diagnóstico, por exemplo, de tuberculose, é o médico e a equipe conduz o programa terapêutico que foi elaborado por toda a equipe, com a participação do médico. Lembramos ainda que o § 7º do Art. 4º resguarda as competências próprias das outras profissões. Como exemplo de competência de outras profissões nos programas de saúde pública citamos a Lei 7498/1986 que regulamenta o exercício da enfermagem.
               Estas competências do Enfermeiro e dos outros profissionais estão resguardadas pelo §7º do Art. 4º desta Lei. Assim, fica bastante claro que esta Lei do Ato Médico não compromete as políticas públicas da área de saúde nem oferece risco de judicialização da saúde do nosso país. Trabalhar em equipe não significa que diversos profissionais possam realizar os atos uns dos outros. Mas sim, que cada membro da equipe realiza os atos próprios de sua profissão de maneira harmônica com os demais. Não existem rotinas e protocolos consagrados nos estabelecimentos privados de saúde nos quais profissionais que não são médicos realizem diagnóstico das doenças.
             Portanto, caros parlamentares maranhenses, o que nós queremos não é impedir que outros profissionais sejam lesados em suas prerrogativas profissionais no exercício da saúde brasileira e sim que nós médicos semelhantemente aos outros profissionais que trabalham na saúde pública e privada deste país tenha sua identidade profissional estabelecida e com isto desenvolver com dignidade suas ações. Aos Srs. Parlamentares que terão esta histórica responsabilidade nas mãos no dia 20 lhes pedimos que votem com razão e de forma suprapartidária garantindo com seus votos a forma original da Lei do Ato Médico derrubando os vetos que só trazem problemas para a saúde pública deste país.

 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

POR UMA POLÍTICA DE FORTALECIMENTO DO SUS.

Prof. Dr. Antônio Gonçalves Filho, SMHM. 
             
           A saúde entrou na pauta do debate nacional a partir das manifestações populares dos últimos meses e das pesquisas de opinião que a colocam como uma demanda urgente da população brasileira. Sob pressão popular, o governo do PT tenta dar uma resposta célere através pactuações nacionais e do programa Mais Médicos, que propõe (1) criar mais vagas para os cursos médicos de graduação e residência médica (pós-graduação lato sensu); (2) aumentar em dois anos a formação médica, que passaria de seis para oito anos, sendo os dois últimos anos realizados obrigatoriamente na rede SUS e (3) enviar médicos brasileiros e estrangeiros para o interior do país e periferia das grandes cidades, por um período de três anos, que poderá ser prorrogado, e pagamento de bolsa mensal no valor de 10 mil reais, além de incentivo inicial de 30 mil reais.
           O SUS foi criado, a partir do movimento da reforma sanitária, para se contrapor ao modelo de assistência à saúde implementado no Brasil durante a ditadura militar – curativo, individual, assistencialista, médico-centrado, hospitalocêntrico, superespecializado, orientado para o lucro e favorecimento do complexo médico industrial – que era altamente excludente, insustentável financeiramente e incapaz de dar resposta às necessidades de saúde da população. Como alternativa se propunha a reorientação desse modelo assistencial através da criação de um Sistema Único de Saúde estatal orientado pela atenção básica e guiado por princípios como a universalidade, integralidade e equidade. Era a partir desses pressupostos essenciais que se via a possibilidade de superar a má distribuição regional e local de profissionais da saúde, a concentração destes no setor privado. Entretanto, após 25 anos de SUS e 10 anos de governos petistas vemos que as opções políticas feitas definitivamente não levaram à superação do primeiro modelo. Ao contrário, ele convenientemente tem sido remodelado e adaptado às necessidades do complexo médico-industrial que, sem enfrentamento, continua mais forte, influente e poderoso do que nunca. O programa Mais Médicos é apenas mais uma tentativa atabalhoada do governo federal de resolver um problema histórico e minimizar futuros danos político-eleitorais.
           O investimento na atenção primária em saúde e a valorização da UBS como porta de entrada para o sistema, é certamente a saída para os problemas hoje enfrentados pelo SUS. Uma boa cobertura por equipes da Estratégia Saúde da Família, com profissionais bem formados e com um plano de carreira sólido, permitirá a promoção da saúde, a prevenção de doenças e a melhoria da qualidade de vida da nossa população.

 2. Ampliação de vagas e a qualidade da formação

            A abertura de novas escolas médicas e o aumento de novas vagas para medicina podem piorar a formação médica se não vierem acompanhados da democratização do acesso e do aumento de investimentos públicos, por isso defendemos 10% do PIB para a educação pública. É inaceitável que a situação atual sirva de pretexto para que investimentos públicos migrem para a iniciativa privada através do PROUNI ou do FIES, com tem ocorrido nos últimos anos. O acesso aos cursos de medicina, de um modo geral, tem favorecido os estudantes que tiveram um ensino médio em escolas particulares e que pertencem a um estrato social mais favorecido economicamente e que costumam trabalhar, após a graduação, para a iniciativa privada como profissionais liberais, prejudicando a população que depende do SUS. Precisamos romper com esse ciclo vicioso. O Maranhão tem a pior proporção de médicos por habitantes e também o menor número de vagas para medicina. A Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a instituição que mais forma médicos no Maranhão, 100 médicos/ano, aderiu ao Sistema de Seleção Unificado (SISU) de modo integral e hoje a maioria das vagas locais para medicina são ocupadas por estudantes de outros Estados, para onde pretendem regressar após a conclusão do curso, agravando com isso a carência estadual de profissionais médicos. Foram criadas novas vagas para medicina na UFMA, alocadas nos campi de Imperatriz e de Pinheiro, cidades cujos sistemas de saúde locais estão muito aquém do desejável e do mesmo modo os cenários de prática, fatores quem põem em risco a qualidade da formação de futuros médicos, caso não sejam feitos os investimentos necessários.

 3. A qualidade da formação de recursos humanos para o SUS.

             Nos últimos anos, foram feitas várias tentativas de formar um profissional de saúde capaz de atuar na atenção primária em saúde, através da Estratégia Saúde da Família. Durante a década de 90, uma Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação das Escolas Médicas (CINAEM) constatou que a formação do médico no Brasil era centrada na doença e não na saúde, estruturalmente hospitalocêntrica, distante das necessidades do SUS. Em 2001, novas diretrizes curriculares foram propostas para os cursos médicos no Brasil a partir das contribuições da CINAEM e surgiram programas de pretendiam valorizar a atenção primária em saúde como o VER-SUS, uma estratégia de vivência no SUS para estudantes dos cursos de saúde, e o Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares para os cursos de medicina (PROMED). Nesse contexto, surgiram depois o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS) e os Pólos de Educação Permanente do SUS. Em 2005, o governo lançou o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde, o PROSAÚDE, que abrangia inicialmente, além dos cursos médicos, os de enfermagem e odontologia, na perspectiva de construção de equipes de saúde e não centrar apenas na figura do médico. A proposta era ampliar os conteúdos relacionados ao SUS, em especial à atenção primária, nos currículos dos cursos da área da saúde; incluir as Unidades Básicas de Saúde (UBS) como cenários de prática e a Problematização como a metodologia de ensino preferencial.
              A concepção teórica de tais iniciativas tinha respaldo de educadores, pesquisadores, gestores e entidades da área, porém os principais nós críticos foram a contratação de novos professores e a adequação dos cenários de prática (UBS), ou seja, faltaram investimento público e vontade política para a implementação das mudanças. Na UFMA e de um modo semelhante na maioria das universidades brasileiras, os novos docentes para os cursos médicos continuaram sendo contratados para uma especialidade específica, ficando o clínico geral e o médico de família e comunidade sem espaço para contribuir com essa nova e necessária formação médica. O problema da formação não vai ser resolvido com o prolongamento do curso de medicina ou com a obrigatoriedade antidemocrática de um serviço civil obrigatório para o médico ou qualquer outro profissional de saúde, mas através do fortalecimento de políticas de formação durante a graduação como as citadas acima, cujos efeitos só poderão ser percebidos a longo prazo. Felizmente o governo recuou na proposta de prolongar o tempo dos cursos de medicina. Assim também deve ser pensada a pós-graduação, hoje fortemente regulada pelas leis do “mercado”, onde são escolhidas especialidades mais rentáveis economicamente. Um exemplo desse modelo distorcido foi o que ocorreu com a Pediatria. Aqui em São Luís, nos anos 90, devido à baixa remuneração, as vagas para Pediatria na residência médica ficavam ociosas, o mercado era quem regulava a escolha da especialidade. Com o passar dos anos, foram formados poucos pediatras e hoje têm-se uma dificuldade enorme de acesso a esses profissionais, com todas as danosas conseqüências para a população. Se o Estado brasileiro tivesse uma política efetiva de formação de recursos humanos, tal fato não ocorreria.

 4. A importação de médicos sem revalidação de diploma.

              A proposta de atrair médicos para o interior do Brasil e periferia das grandes cidades, onde efetivamente faltam médicos, mal distribuídos que estão nas regiões do Brasil, vem acompanhada da ausência de direitos trabalhistas. Serão oferecidas bolsas de aperfeiçoamento em serviço, mas sem vínculo empregatício, a serem pagas pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), uma inconstitucional terceirização da gestão pública (para dizer o mínimo), que também custeará as outras despesas do programa, sem licitação! Os médicos estrangeiros que desejam trabalhar no país devem passar no exame de revalidação do diploma (REVALIDA) e comprovar proficiência na língua portuguesa. Se estivéssemos diante de uma crise humanitária, a dispensa dessas exigências seria aceitável, mas não é o caso. Condições mínimas de segurança quanto à qualidade de formação de médicos estrangeiros devem ser garantidas à população usuária do SUS. Os cubanos têm reconhecimento internacional na qualificação de seus profissionais médicos para o trabalho na atenção primária em saúde. Um intercâmbio com esses profissionais, mediado pelas universidades públicas brasileiras, certamente contribuiria na formação de nossos profissionais médicos e não-médicos, porém a vinda desses trabalhadores não pode ocorrer sem que eles detenham o controle da sua mais valia, hoje controlada pelo governo cubano.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

OS HOSPITAIS DE PEQUENO PORTE NO BRASIL

José Márcio Soares Leite, AMM, APLAC, IHGM.

Nos últimos seis meses, tem ocupado espaço nas discussões técnicas nacionais dos gestores estaduais e municipais de saúde a necessidade de o Ministério da Saúde reconhecer oficialmente como Hospitais de Pequeno Porte (HPP) aqueles com menos de 30 leitos.
Há quem venha defendendo, talvez por desconhecer a realidade social de nosso extenso e heterogêneo país, a idéia de que devem ser considerados HPP somente aqueles hospitais que disponham de 31 a 49 leitos, sob o simplista argumento de que todos os hospitais com menos de 31 leitos são anti-econômicos.
A fim de sustentarem sua tese, citam o autor Posnett, J., Diretor do Programa de Mestrado em Economia da Saúde da University of York, que no artigo “Are Bigger Hospitals Better?”, publicado no livro Hospitals in a Changing Europe, 100-118. Buckingham: Open University Press, 2002) , afirma que “...para que se alcance o ponto ótimo da escala hospitalar, três fatores devem ser observados: a economia de escala, o volume de produção de serviços e o acesso dos pacientes a serviços de saúde e mais, que hospitais entre 100 e 200 leitos alcançam pontos ótimos na economia de escala”.
Esse posicionamento, como se pode inferir, dá a entender que todos os hospitais com menos de 100 leitos seriam inviáveis economicamente. Todavia, o próprio Posnett, a contrário sensu, também afirma que “... pequenos hospitais se justificam em localidades remotas e de difícil acesso a centros maiores, para execução, principalmente de ações de pequena complexidade (mas não de atenção básica) e ações relacionadas à atenção de urgência/emergência e materno-infantil. Em relação à atenção ao parto e puerpério de baixo risco, também seria contemplada a sua importância simbólica para a comunidade em que este hospital encontra-se inserido”.
No Brasil, ao contrário, observa-se que a existência dos hospitais de pequeno porte não está relacionada somente às condições de acesso a centros maiores, mas também à existência de municípios de pequeno porte (Ugá, M.A.D, e E.M López . Os Hospitais de Pequeno Porte e sua Inserção no SUS. Ciência e Saúde Coletiva . 2007). As populações desses municípios precisam ter acesso a consultas, exames clínicos e internações básicas, que lhes possa prolongar a vida. As gestantes, por exemplo, querem dar à luz nos locais onde residem e trabalham e ao lado de seus familiares, as crianças portadoras de Infecções Respiratórias Agudas precisam do tratamento adequado, assim como os idosos portadores de Doenças Crônico Degenerativas.
Os especialistas em Economia da Saúde, La Forgia e Couttolenc, (La Forgia, G.M, e B.F. Couttolenc. Desempenho Hospitalar no Brasil. Em Busca da Excelência. São Paulo: The World Bank, Instituto Brasileiro para Estudo e Desenvolvimento do Setor de Saúde (IBEDESS), Editora Singular; 2009), afirmam que “... em relação à saúde financeira dos HPP, estes apresentam custos maiores que suas receitas SUS, que não remunera bem atividades e procedimentos de baixa complexidade realizados por estes. Esses autores evidenciam que os HPP’s recebem, em média, somente 25% do custo real de seus procedimentos.
Em sua Tese de Dissertação para obtenção do título de mestre na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas-SP (Hospitais de Pequeno Porte do Sistema Único de Saúde Brasileiro e a Segurança do Paciente), Luciana Reis Carpanez Corrêa, nos diz que “... os 4.705 Hospitais de Pequeno Porte (HPP) se distribuem em 2.943 municípios brasileiros, sendo a maior parte (83%) localizada em municípios classificados como de interior e de até 30.000 habitantes. Os hospitais que apresentam de 1 a 30 leitos representam 48% dos HPP e o aumento desses hospitais no país está relacionado à municipalização do setor saúde”.

Nesse contexto, na reunião do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) no mês de julho deste ano em Brasília-DF, no curso de uma discussão sobre essa temática, ressaltei os pontos aqui enfocados, além de que não podemos desconhecer a definição da Organização Panamericana de Saúde (OPAS, 2008), que considera os hospitais, como “... estabelecimentos com pelo menos 5 leitos, para internação de pacientes, que garantem um atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e assistência permanente prestada por médicos. Além disso, considere-se o atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com a disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviço de cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos organizados para a rápida observação e acompanhamento dos casos”.
Eis a razão porque defendo a importância dos HPP com 20 leitos no Brasil e no Maranhão, existentes na maioria dos municípios, pois sei que eles são indispensáveis para atender principalmente as crianças, os idosos e as gestantes nas pequenas cidades, e as prefeituras não têm como arcar sozinhas com o custo da sua manutenção. Entendo, pois, que o financiamento dessas unidades de saúde pelo SUS deve ser fixo, com base em seu custo real, mesmo que tripartite (União, Estados e Municípios), guardadas as devidas proporcionalidades entre esses entes federativos.

Professor Doutor em Ciências da Saúde e Subsecretário de Estado da Saúde do Maranhão.




 

domingo, 21 de julho de 2013

CURAR ALGUMAS VEZES, CONSOLAR SEMPRE.

Acad. José Márcio Soares Leite, AMM, SMHM.

Na semana passada participei da solenidade de formatura dos concluintes do Curso de Medicina da Universidade CEUMA, como patrono da turma. Na oportunidade, durante minha alocução, fiz referência ao histórico das Escolas Médicas, lembrando que o primeiro curso de medicina do mundo foi o da Scuola Médica Salernitana, no século IX, que deixou de existir em princípios do século XIX. Atualmente a Escola Médica mais antiga em atividade do mundo é a Faculdade de Medicina de Montpellier na França, que existe desde o século XII, embora seu primeiro marco institucional date do ano de 1220.

O ensino oficial da medicina no Brasil começaria em 5 de novembro de 1808, quando, por Decreto de D. João VI, foi criada a Escola Anatômico-Cirúrgica e Médica da Bahia, e em 1813 a Faculdade Nacional de Medicina no Rio de Janeiro.

No Maranhão, em 28 de fevereiro de 1957, foi criada a Faculdade de Ciências Médicas pela Sociedade Maranhense de Cultura Superior (SOMACS), pertencente à Universidade Católica, depois Fundação Universidade Federal do Maranhão.

Disse ainda aos formandos, na ocasião, que essa conclusão do Curso de Medicina ocorre em momento de grandes desafios para a medicina brasileira, os quais a seguir destaco.

O primeiro desses desafios decorre da morbimortalidade prevalente no Brasil. Ainda não nos liberamos do grupo de doenças infecciosas e parasitárias e já temos que conviver com as chamadas doenças da modernidade, como as cardiovasculares e crônico-degenerativas, que já respondem por 66,3% da morbidade geral no país e com tendência crescente, em sua maioria decorrentes do crescimento da população de idosos e do ambiente progressivamente mais agressivo à saúde.
O segundo desafio diz respeito à necessidade dos jovens formandos trabalharem com cuidado e humanização a relação médico-paciente, apontada em todas as recentes pesquisas de opinião pública como o ponto focal de insatisfação dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Sob o ponto de vista médico, precisamos reverter essa situação e estrategicamente manter do nosso lado, a nosso favor, a população brasileira, para que não nos transformem em vilões, ou mesmo “amortecedores sociais” de crises institucionais ou econômico-financeiras que atingem o mundo em escala global.

Segundo Werner Jaeger, uma das maiores autoridades em história da Grécia clássica, em sua obra PAIDÉIA A Formação do Homem Grego; “... de todas as ciências humanas estão conhecidas, incluindo a matemática e a física, é a medicina a mais afim da ciência ética de Sócrates”, salientando que o médico, mais que um biólogo, mais do que um naturalista, deveria ser, fundamentalmente, um humanista.

O professor Ernesto Lima Gonçalves, em seu livro Médicos e Ensino da Medicina no Brasil, ensina-nos que ... a prática médica deve comprometer-se com o homem integral, indivíduo mais pessoa, para que possa atingir seus objetivos reais. Ela deve, pois, procurar enxergar o homem em seus componentes físicos, químicos e biológicos, mas também nos componentes mentais e psicológicos, emocionais, afetivos e sociais.

No livro Como os Médicos Pensam, de Jerome Groopman, ele cita outro medico William Osler do Brigham Hospital, o qual dizia basicamente que ... se você escutar o paciente, ele dará o diagnóstico. Não há duvida de que os exames de apoio diagnóstico são importantes ou de que a tecnologia especializada de que dispomos hoje é vital para cuidarmos de um paciente, mas acho que essa tecnologia nos afastou da história clinica do paciente. E quando você se afasta da história clínica do paciente, já não é realmente um médico".
Toda essa observação sobre a conduta humanitária do médico já consta há 25 séculos do legado de Hipócrates, o pai da medicina, em seu “Corpus Hippocraticum”. Em um dos livros que integram esse conjunto, Peri Tékhne (da arte), Hipócrates define a medicina e seu principal objetivo "... quanto à medicina, tal como eu a concebo, penso que o seu objetivo, em termos gerais, é o de afastar os sofrimentos do doente e diminuir a violência das suas doenças, abstendo-se de tratar os doentes graves para os quais a medicina não dispõe de recursos."

Por influencia do cristianismo, no século XV, foram acrescidas a este aforismo os vebos consolar e curar, no latim medieval, medicus quandoque sanat, saepe lenit et semper solatium est (o médico às vezes cura, muitas vezes alivia e sempre é um consolo). A medicina tem uma tradição milenar e os médicos devem sempre frente às dificuldades político-institucionais, prosseguir o seu trabalho profissional, cuidando da forma mais técnica e científica dos seus pacientes, mas sem descurar, por outro lado, do aprimoramento da relação médico-paciente, a qual deve pautar-se pela humanização.