400 ANOS DE MEDICINA NO MARANHÃO.
Aymoré Alvim: IHGM, AMM e APLAC.
Chamou
a minha atenção a referência a um cirurgião-médico francês, Dr. Thomas de
Lastre, na expedição colonizadora que fizera Daniel de La Touche, senhor de La
Ravardière, ao Maranhão, em 1612.
Interessante,
prossegui na busca por mais elementos informativos e os encontrei em “Papagaios
amarelos” de Maurice Pianzola, nos “Anais Históricos do Estado do Maranhão” de
Bernardo Pereira de Barreto, em “Jerônimo de Albuquerque Maranhão” de Maria de
Lourdes Lacroix e “História do Maranhão” de Mário Meireles.
Firmada
a convicção, levantei, em reunião da Academia Maranhense de Medicina, a
proposta de comemorarmos juntamente com o 4º centenário de fundação de São Luís
e dos quatro séculos de evangelização neste Estado, os 400 anos de medicina no Maranhão.
Esta proposta levei, ainda, em novembro de 2009, à Assembléia Geral da
Sociedade Brasileira de História da Medicina, reunida em Manaus, que aprovou a
realização do XVII Congresso Brasileiro de História da Medicina, em São Luís, no
período de 7 a
10 de novembro do ano em curso, como depois aceitou como tema principal do
evento: 400 anos de medicina no
Maranhão.
Há, então, de se
perguntar: por que só 400 anos de medicina? A arte de curar dos índios que aqui
chegaram bem antes dos portugueses e franceses, também não é medicina?
Claro
que sim. Mas para melhor fundamentarmos a nossa resposta, recuemos no tempo e
no espaço. O nosso tempo é 40.000 anos atrás e o nosso espaço é uma área que
fica ao sudoeste da região europeia que compreende a atual França.
Dessa
época, os estudos arqueológicos datam o aparecimento de um povo da espécie Homo sapiens, com características muito
semelhantes às nossas, que foi denominado “Homens de Cro-Magnon” devido ao nome
da caverna onde marcou sua existência, nas pinturas ali deixadas (pinturas
rupestres).
O
desenvolvimento da sua inteligência se manifestou através de uma produção
artística, bastante sofisticada para a época, nos campos da música, da
escultura e da pintura, fruto de pensamentos abstratos que lhe permitiam
elaborar idéias sobre forças invisíveis, seres superiores ou divindades. Isto
lhe propiciou dar início à criação de mitos, magia e ao desenvolvimento de um
sentimento religioso. Outros elementos por ele deixados sugerem uma estrutura
grupal mais organizada que a dos seus ancestrais com intensa vida participativa,
ambiente favorável para manifestar aos companheiros sentimentos de
solidariedade e compaixão. Sendo tais sentimentos a essência da arte de curar, é
lógico concluir que foram os “Cro-Magnons” os criadores do que mais tarde foi
chamado de medicina.
Fundamentado,
nesses elementos, posso afirmar que arte de curar ou medicina evoluiu através
de três vertentes: a medicina que alivia e consola que é uma expressão de
altruísmo e deve ser exercida por qualquer pessoa, eticamente comprometida com
o bem estar social. A segunda é a arte de prevenir e proteger que também pode
ser exercida por qualquer cidadão, mas devido a sua complexidade e, às vezes, os
elevados custos que a envolve, está mais adstrita à responsabilidade do Estado.
E, por fim, a Medicina curativa ou a arte de curar propriamente dita que, desde
essa época, vem sendo exercida, pelas peculiaridades que a envolvem, por grupos
específicos da comunidade, devidamente preparados para tal mister. Inicialmente,
por curandeiros, pajés, xamãs, sacerdotes, barbeiros, cirurgiões barbeiros e,
enfim, por médicos.
Essa
estrutura começa a se consolidar com os babilônios, no início da civilização, e
vai se aperfeiçoando até a Idade Média quando foram criadas as primeiras
universidades, com cursos exclusivos para a preparação de médicos. Ao longo dos
Períodos Moderno e Contemporâneo, o exercício do profissional médico, formado
em curso superior regular, passou a ser regulamentado pelo Estado através de
leis que também consideram curandeirismo, quando exercido por pessoas não autorizadas.
Esta
é, portanto, a razão de considerarmos o início do exercício da medicina no
Maranhão com o Dr. Thomas de Lastre que a história no-lo indica como o primeiro
cirurgião-médico, formado em curso superior, que desempenhou por aqui suas
funções profissionais e humanitárias.
A
partir de então, quando os portugueses retomaram o Maranhão aos franceses, para
melhor desenvolvimento do tema, dividimos a História da Medicina, ao longo dos
quatro séculos seguintes, em três períodos. O primeiro “Medicina do Maranhão
Colônia” que teve início, em 1612, com o Dr. Thomas de Lastre e se estendeu até
1808 com a chegada da família real portuguesa ao Brasil. Ao longo desse primeiro
período, dominou uma medicina mágico-religiosa conduzida por pajés, feiticeiros
e curadores, devido aos raros médicos que estiveram em São Luís.
Na
capital e em algumas localidades do interior, era exercida uma medicina
empírica praticada pelos Jesuítas ou por pessoas de pouca instrução ou analfabetas
como barbeiros, barbeiros-cirurgiões, parteiras que após um período de
treinamento com um profissional mais velho e experiente eram autorizadas a
praticar sangrias, aplicação de ventosas e clisteres, fazer pequenas cirurgias,
partos, dentre outras atividades, por membros da Câmara ou por delegados de saúde
do governo de Portugal como os membros da Junta Real do Protomedicato e,
posteriormente, pelos físicos e cirurgiões-mores.
Nessa
época, aterrorizavam bastante a população as epidemias de varíola que começaram
a ser registradas a partir de 1616, e eram acompanhadas por grande mortandade.
Sem recursos médicos e terapêuticos, a única esperança era a graça de Deus a
quem o povo recorria com orações, procissões, a assistência prestada pelos
jesuítas ou, ainda, o uso de amuletos recomendados por curadores.
O
segundo se estende de 1808 a
1889, ano da proclamação da República. Foi o período da “Medicina do Maranhão
Província” ao longo do qual as autoridades desenvolveram medidas de saúde
públicas mais eficientes contra a varíola, com aplicações de pus vacínico sem
eficácia e, por fim, da vacina a partir de 1820. Com a implantação de cursos de
medicina e cirurgia por D. João, em Salvador e Rio de Janeiro, e com as
melhorias das condições sócio-econômicas da Província, a partir de 1840, um
número maior de médicos, formado por essas faculdades e na Europa, voltava para
prestar aqui seus serviços.
As
epidemias de varíola começaram a ficar menos frequentes, mas surgiram as de
sarampão, febre amarela, gripe e outras de menor expressão sanitária para a época.
Como
doenças endêmicas, tanto na capital quanto no interior, destacavam-se, no
panorama epidemiológico da Província, a malária ou febre intermitente, a tísica
ou tuberculose, a morféa ou hanseníase, febres tifóides, as hidropisias, ascites
ou barriga d’água, além de outras de menor expressão nosográfica.
A medicina clínica estava, ainda,
fundamentada nas teorias “Humoral” dos gregos e na Miasmática. Esta se baseava na
etiologia das doenças infecciosas, a partir de emanações ou miasmas do solo poluído por
matéria orgânica em decomposição ou de coleções de águas estagnadas.
O
Terceiro teve início em 1889 e chega aos dias atuais. “É a Medicina do Período
Republicano”. O desenvolvimento científico e tecnológico decorrente das duas
Revoluções Industriais teve grande repercussão, nas áreas da Biologia e da
Saúde.
É
da segunda metade do século XIX os trabalhos de Rudolf Wirchow, Caude Barnard,
Pasteur, Lister, Florence Nightingale, John Snow, Semmelweis, Roentgen e muitos
outros que deram suporte à medicina moderna.
Por
outro lado, essas Revoluções causaram profundas modificações sociais como o
êxodo rural com pletora das grandes cidades. A falta de infraestrutura sanitária
que pudesse dar boa qualidade de vida a esses novos citadinos que, por falta de
melhor assistência se instalavam, no entorno dessas cidades, criou, também, os
elementos indispensáveis à proliferação das doenças infecciosas e parasitárias,
bem como, as resultantes de carências alimentares.
É
digno de nota os resultados do desenvolvimento científico e tecnológico
decorrentes dos dois principais conflitos bélicos mundiais da primeira metade
do século XX. Foram aprimoradas as técnicas de assepsia, anestesia e cirurgia.
Tiveram, também, grande crescimento o controle e o tratamento de epidemias e
endemias, graças aos trabalhos desenvolvidos por Gerhard Domagk, Paul Ehrlich,
Alexander Fleming, Jonas Salk, Albert Sabin, e muitos outros. Todas as
conquistas da medicina, nesse período, conseguiram melhorar a qualidade de vida
das populações, dilargar os limites da vida mas, na contrapartida, aumentaram a
prevalência de doenças mais comuns, na terceira idade, como as cardiovasculares
e degenerativas.
O
Maranhão, por sua vez, não deixou de se beneficiar desses recursos trazidos por
aqueles maranhenses que se deslocaram para os centros mais adiantados para
estudar medicina.
Logo, para avaliar
melhor esses benefícios, dividimos o Terceiro Período em duas fases. A primeira,
que se estendeu até meados da década de 1950, e a Segunda que chegou aos dias
atuais.
Na última
década do século XIX, teve inicio uma ampla reforma com modernização da Saúde
Pública, na administração do então presidente do Estado João Gualberto Torreão
da Costa. O foco principal das ações continuava sendo a erradicação da varíola.
Foram criados
um desinfectório e um Posto com uma linha de preparação de vacinas contra a
varíola com bons resultados, de vez que conseguiu produzir o necessário para
afastar, por alguns anos, a doença do Estado.
A partir do
quarto trimestre de 1903, a peste bubônica causou muitas vítimas em São Luís.
Esta ocorrência levou o Presidente do Estado, Collares Moreira, a solicitar
ajuda ao Serviço de Higiene de São Paulo e ao Instituto de Manguinhos do Rio de
Janeiro que colaboraram com vacinas e com recursos humanos. Foi criado o
Serviço Sanitário do Estado cujos trabalhos concorreram para abortar o mal no
ano seguinte. Nessa época, o governo voltou também a sua atenção para o mal de
Hansen, devido ao elevado número de ocorrências que vinha sendo registrado
desde o século anterior por Nina Rodrigues.
Prosseguiram
os trabalhos de controle da doença com destaque para alguns especialistas na área
como Sálvio de Mendonça, Marcellino Rodrigues Machado, Cássio de Miranda e, nas
décadas de 1920 e 30, os esforços foram encetados por Aquiles Lisboa.
No
final da segunda década da centúria, na administração de Urbano Santos, foram
criados, na capital, o Serviço de Combate às Endemias, o Serviço de Profilaxia
Rural e Urbana e o Instituto Oswaldo Cruz com o objetivo de produzir soros e
vacinas.
A
segunda fase tem início com a criação da Faculdade de Ciências Médicas do
Maranhão, em 1957, atual curso de medicina da Universidade Federal do Maranhão,
que foi o marco do desenvolvimento da atual medicina do Estado, principalmente,
nas áreas de Saúde Pública, Genética, Cirurgia, Diagnóstico, e Medicina social.
Embora
não dispondo de recursos suficientes que lhe assegurem todos os benefícios
decorrentes da pesquisa médica, devido a vários fatores impeditivos, o Estado vem
contando com seus médicos que continuam se qualificando, em cursos de pós
graduação “Lato e Stricto sensu”, realizados aqui e em outros Estados mais
adiantados na pesquisa médica, de forma a criar uma massa crítica e um corpo de
pesquisadores responsáveis pela aplicação da medicina que todos esperam. É
notável o progresso que vem sendo obtido, nas áreas de diagnóstico, intervenções
cardiovasculares e neurocirurgias.
Não
obstante, devemos reconhecer que não somente no Maranhão, mas no Brasil e em
outros países, a medicina aplicada não tem acompanhado o acelerado progresso da
ciência médica, nos campos da pesquisa e da tecnologia. Isto, com certeza, é
devido à elevada demanda pelos serviços oferecidos que não encontra oferta de ambiente
adequado nem de recursos humanos para atendê-la, pela falta de eficazes
políticas nos setores da saúde e social, o que se reflete, negativamente, na
relação médico-paciente tão importante para o êxito do pleno exercício da
medicina.