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domingo, 29 de dezembro de 2013

A QUEM INTERESSA A HISTÓRIA DA MEDICINA?

Aymoré Alvim, médico; professor universitário. AMM, SMHM e IHGM.

            São Luís sediou, no período de 26 a 28 de novembro passado, o II Congresso Maranhense de História da Medicina. Regular presença de alunos dos cursos de Medicina, poucos de outras áreas da saúde e quase nenhum de outros cursos fora do que chamamos de campo da saúde. E médicos? Ah!, esses? Muito raros. Mas eles não têm culpa da formação tecnicista ou cartesiana que o Sistema impingiu à nossa formação. Por isto, resolvi escrever este artigo.
            Primeiramente, busquemos saber do que se trata. É uma ciência, ramo da História Geral, que estuda a saúde e a doença, na sua dimensão histórica e espacial, com vista à promoção, prevenção e cura, ou seja, promover e restabelecer o prazer de viver, dilatando, nas palavras de Botelho, J. B., os limites da vida. Não é isso que todos queremos?
            Ora, se a promoção do bem-estar e a prevenção da dor ou doença são os objetivos de todos nós que gostamos de viver bem e por muito tempo, logo o conhecimento desses valores através das sucessivas civilizações que encontramos na História da Medicina justifica ser ela do interesse de todas as pessoas que fazem isto diariamente sem se aperceberem.
Enganam-se, pois, os que pensam que Medicina é apenas uma prática de cura, monopólio dos médicos. A Medicina, desde os primórdios, é a busca do prazer de viver, do bem-estar para onde converge todo o conhecimento que o homem (Homo, inis = pessoa, sem preconceito de gênero ou sexo), vem produzindo ao longo da sua história
            Por exemplo, a Arquitetura e a Engenharia quando projetam ou executam uma construção residencial buscam, antes de tudo, a salubridade ambiental, verificando incidência de raios solares, de correntes de vento, produção de ruídos, de forma a proporcionar ao cliente uma moradia num ambiente saudável. Isto não é promover e preservar a saúde? Logo, estão fazendo Medicina.
            Tomei esses dois exemplos, que a princípio parecem distantes do que chamamos de arte de curar, para mostrar que a História da Medicina, que traz os fundamentos desses conhecimentos, é de interesse geral, independente de profissão ou campo de trabalho.
            Mas isto tudo tem uma razão lógica. Não são apenas elucubrações elaboradas em noites de vigílias. Senão vejamos: O homem, segundo estudos científicos conduzidos pela Paleoantropologia, quando começou a raciocionalizar e questionar a sua existência, isto é, a perceber o seu lugar e a sua importância, no ambiente onde vivia por volta de 40.000 a 50.000 anos atrás, as suas primeiras preocupações se voltaram para duas ações específicas: afastar a dor ou doença que o incomodava e por isso queria saber a sua origem para buscar a cura de seus males. Para isto, teve que transcender e encontrar nas divindades a causa dos seus sofrimentos. Criou, assim, a Religião.
            Sabendo a origem, buscou a solução e a proteção do seu prazer de viver, nas invocações às divindades e com uso de material biológico e químico retirados da natureza. Estava criada a Medicina ou a Arte de Curar.
            Como vemos, Medicina e Religião nasceram juntas, são irmãs gêmeas. Uma na dependência da outra. São comportamentos humanos que nortearam todo o processo civilizatório ao longo do tempo. Com elas o homem se organizou em grupos, tribos, famílias e nações. Ambas estão no cerne da nossa cultura.
            Logo, conhecer Religião e Medicina ou Medicina e Religião é conhecer o próprio homem, na sua saga através da história.
            Atualmente, a Medicina tem envolvido cada vez mais o paciente, no cenário de cura. A hegemonia histórica do médico, que ainda persiste em graus variados, vai cedendo lugar à decisão do paciente, na condução do seu processo de cura. Em decidir o que melhor lhe aprouver.
            Outro modelo que vem demonstrando isto é o já conhecido Medicina Baseada em Evidências. A velha e propalada experiência clínica deve se apoiar em evidências fundamentadas em provas científicas. Isto me faz lembrar que o antigo médico, curandeiro dos tempos pré-históricos, que funcionava como o mediador entre os doentes e os deuses, volta ao mesmo papel como o pontífice entre o seu paciente e a ciência.      
           Isto em nada lhe diminui a responsabilidade de condutor do processo, mas nos mostra como a crescente participação do paciente  vem evoluindo, ao longo do tempo, como descreve a História da Medicina, o que também fortalece a ideia de que seu estudo é de interesse de todas as pessoas.
Portanto, volto a lhes perguntar: A quem interessa, então, o estudo ou o conhecimento da História da Medicina? Como vimos, o que nela contem é do interesse de todos sem exceção, independente de confissões e profissões.

            Isto é o que eu penso. Você que está lendo este artigo pode até não concordar comigo, mas que vai achar tudo isto bem racional, tenho certeza que vai.