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segunda-feira, 29 de abril de 2013


400 ANOS DE MEDICINA NO MARANHÃO.

Aymoré Alvim: IHGM, AMM e APLAC.

            Há algum tempo, lendo “Jornada do Maranhão por ordem de sua Majestade feita no ano de 1614” de Diogo de Campos Moreno, encontrei uma informação que achei importante resgatá-la para a História da Medicina no Maranhão. Nessa época, 2007, estava buscando com outros colegas consolidar a disciplina de História da Medicina, no currículo do curso médico da Universidade Federal do Maranhão.

            Chamou a minha atenção a referência a um cirurgião-médico francês, Dr. Thomas de Lastre, na expedição colonizadora que fizera Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, ao Maranhão, em 1612.

            Interessante, prossegui na busca por mais elementos informativos e os encontrei em “Papagaios amarelos” de Maurice Pianzola, nos “Anais Históricos do Estado do Maranhão” de Bernardo Pereira de Barreto, em “Jerônimo de Albuquerque Maranhão” de Maria de Lourdes Lacroix e “História do Maranhão” de Mário Meireles.

            Firmada a convicção, levantei, em reunião da Academia Maranhense de Medicina, a proposta de comemorarmos juntamente com o 4º centenário de fundação de São Luís e dos quatro séculos de evangelização neste Estado, os 400 anos de medicina no Maranhão. Esta proposta levei, ainda, em novembro de 2009, à Assembléia Geral da Sociedade Brasileira de História da Medicina, reunida em Manaus, que aprovou a realização do XVII Congresso Brasileiro de História da Medicina, em São Luís, no período de 7 a 10 de novembro do ano em curso, como depois aceitou como tema principal do evento: 400 anos de medicina no Maranhão.

            Há, então, de se perguntar: por que só 400 anos de medicina? A arte de curar dos índios que aqui chegaram bem antes dos portugueses e franceses, também não é medicina?

            Claro que sim. Mas para melhor fundamentarmos a nossa resposta, recuemos no tempo e no espaço. O nosso tempo é 40.000 anos atrás e o nosso espaço é uma área que fica ao sudoeste da região europeia que compreende a atual França.

            Dessa época, os estudos arqueológicos datam o aparecimento de um povo da espécie Homo sapiens, com características muito semelhantes às nossas, que foi denominado “Homens de Cro-Magnon” devido ao nome da caverna onde marcou sua existência, nas pinturas ali deixadas (pinturas rupestres).

            O desenvolvimento da sua inteligência se manifestou através de uma produção artística, bastante sofisticada para a época, nos campos da música, da escultura e da pintura, fruto de pensamentos abstratos que lhe permitiam elaborar idéias sobre forças invisíveis, seres superiores ou divindades. Isto lhe propiciou dar início à criação de mitos, magia e ao desenvolvimento de um sentimento religioso. Outros elementos por ele deixados sugerem uma estrutura grupal mais organizada que a dos seus ancestrais com intensa vida participativa, ambiente favorável para manifestar aos companheiros sentimentos de solidariedade e compaixão. Sendo tais sentimentos a essência da arte de curar, é lógico concluir que foram os “Cro-Magnons” os criadores do que mais tarde foi chamado de medicina.

            Fundamentado, nesses elementos, posso afirmar que arte de curar ou medicina evoluiu através de três vertentes: a medicina que alivia e consola que é uma expressão de altruísmo e deve ser exercida por qualquer pessoa, eticamente comprometida com o bem estar social. A segunda é a arte de prevenir e proteger que também pode ser exercida por qualquer cidadão, mas devido a sua complexidade e, às vezes, os elevados custos que a envolve, está mais adstrita à responsabilidade do Estado. E, por fim, a Medicina curativa ou a arte de curar propriamente dita que, desde essa época, vem sendo exercida, pelas peculiaridades que a envolvem, por grupos específicos da comunidade, devidamente preparados para tal mister. Inicialmente, por curandeiros, pajés, xamãs, sacerdotes, barbeiros, cirurgiões barbeiros e, enfim, por médicos.

            Essa estrutura começa a se consolidar com os babilônios, no início da civilização, e vai se aperfeiçoando até a Idade Média quando foram criadas as primeiras universidades, com cursos exclusivos para a preparação de médicos. Ao longo dos Períodos Moderno e Contemporâneo, o exercício do profissional médico, formado em curso superior regular, passou a ser regulamentado pelo Estado através de leis que também consideram curandeirismo, quando exercido por pessoas não autorizadas.

            Esta é, portanto, a razão de considerarmos o início do exercício da medicina no Maranhão com o Dr. Thomas de Lastre que a história no-lo indica como o primeiro cirurgião-médico, formado em curso superior, que desempenhou por aqui suas funções profissionais e humanitárias.

            A partir de então, quando os portugueses retomaram o Maranhão aos franceses, para melhor desenvolvimento do tema, dividimos a História da Medicina, ao longo dos quatro séculos seguintes, em três períodos. O primeiro “Medicina do Maranhão Colônia” que teve início, em 1612, com o Dr. Thomas de Lastre e se estendeu até 1808 com a chegada da família real portuguesa ao Brasil. Ao longo desse primeiro período, dominou uma medicina mágico-religiosa conduzida por pajés, feiticeiros e curadores, devido aos raros médicos que estiveram em São Luís.

            Na capital e em algumas localidades do interior, era exercida uma medicina empírica praticada pelos Jesuítas ou por pessoas de pouca instrução ou analfabetas como barbeiros, barbeiros-cirurgiões, parteiras que após um período de treinamento com um profissional mais velho e experiente eram autorizadas a praticar sangrias, aplicação de ventosas e clisteres, fazer pequenas cirurgias, partos, dentre outras atividades, por membros da Câmara ou por delegados de saúde do governo de Portugal como os membros da Junta Real do Protomedicato e, posteriormente, pelos físicos e cirurgiões-mores.

            Nessa época, aterrorizavam bastante a população as epidemias de varíola que começaram a ser registradas a partir de 1616, e eram acompanhadas por grande mortandade. Sem recursos médicos e terapêuticos, a única esperança era a graça de Deus a quem o povo recorria com orações, procissões, a assistência prestada pelos jesuítas ou, ainda, o uso de amuletos recomendados por curadores.

            O segundo se estende de 1808 a 1889, ano da proclamação da República. Foi o período da “Medicina do Maranhão Província” ao longo do qual as autoridades desenvolveram medidas de saúde públicas mais eficientes contra a varíola, com aplicações de pus vacínico sem eficácia e, por fim, da vacina a partir de 1820. Com a implantação de cursos de medicina e cirurgia por D. João, em Salvador e Rio de Janeiro, e com as melhorias das condições sócio-econômicas da Província, a partir de 1840, um número maior de médicos, formado por essas faculdades e na Europa, voltava para prestar aqui seus serviços.

            As epidemias de varíola começaram a ficar menos frequentes, mas surgiram as de sarampão, febre amarela, gripe e outras de menor expressão sanitária para a época.

            Como doenças endêmicas, tanto na capital quanto no interior, destacavam-se, no panorama epidemiológico da Província, a malária ou febre intermitente, a tísica ou tuberculose, a morféa ou hanseníase, febres tifóides, as hidropisias, ascites ou barriga d’água, além de outras de menor expressão nosográfica.

           A medicina clínica estava, ainda, fundamentada nas teorias “Humoral” dos gregos e na Miasmática. Esta se baseava na etiologia das doenças infecciosas, a partir de  emanações ou miasmas do solo poluído por matéria orgânica em decomposição ou de coleções de águas estagnadas.

            O Terceiro teve início em 1889 e chega aos dias atuais. “É a Medicina do Período Republicano”. O desenvolvimento científico e tecnológico decorrente das duas Revoluções Industriais teve grande repercussão, nas áreas da Biologia e da Saúde.

            É da segunda metade do século XIX os trabalhos de Rudolf Wirchow, Caude Barnard, Pasteur, Lister, Florence Nightingale, John Snow, Semmelweis, Roentgen e muitos outros que deram suporte à medicina moderna.

            Por outro lado, essas Revoluções causaram profundas modificações sociais como o êxodo rural com pletora das grandes cidades. A falta de infraestrutura sanitária que pudesse dar boa qualidade de vida a esses novos citadinos que, por falta de melhor assistência se instalavam, no entorno dessas cidades, criou, também, os elementos indispensáveis à proliferação das doenças infecciosas e parasitárias, bem como, as resultantes de carências alimentares.

            É digno de nota os resultados do desenvolvimento científico e tecnológico decorrentes dos dois principais conflitos bélicos mundiais da primeira metade do século XX. Foram aprimoradas as técnicas de assepsia, anestesia e cirurgia. Tiveram, também, grande crescimento o controle e o tratamento de epidemias e endemias, graças aos trabalhos desenvolvidos por Gerhard Domagk, Paul Ehrlich, Alexander Fleming, Jonas Salk, Albert Sabin, e muitos outros. Todas as conquistas da medicina, nesse período, conseguiram melhorar a qualidade de vida das populações, dilargar os limites da vida mas, na contrapartida, aumentaram a prevalência de doenças mais comuns, na terceira idade, como as cardiovasculares e degenerativas.

            O Maranhão, por sua vez, não deixou de se beneficiar desses recursos trazidos por aqueles maranhenses que se deslocaram para os centros mais adiantados para estudar medicina.

Logo, para avaliar melhor esses benefícios, dividimos o Terceiro Período em duas fases. A primeira, que se estendeu até meados da década de 1950, e a Segunda que chegou aos dias atuais.

Na última década do século XIX, teve inicio uma ampla reforma com modernização da Saúde Pública, na administração do então presidente do Estado João Gualberto Torreão da Costa. O foco principal das ações continuava sendo a erradicação da varíola.

Foram criados um desinfectório e um Posto com uma linha de preparação de vacinas contra a varíola com bons resultados, de vez que conseguiu produzir o necessário para afastar, por alguns anos, a doença do Estado.

A partir do quarto trimestre de 1903, a peste bubônica causou muitas vítimas em São Luís. Esta ocorrência levou o Presidente do Estado, Collares Moreira, a solicitar ajuda ao Serviço de Higiene de São Paulo e ao Instituto de Manguinhos do Rio de Janeiro que colaboraram com vacinas e com recursos humanos. Foi criado o Serviço Sanitário do Estado cujos trabalhos concorreram para abortar o mal no ano seguinte. Nessa época, o governo voltou também a sua atenção para o mal de Hansen, devido ao elevado número de ocorrências que vinha sendo registrado desde o século anterior por Nina Rodrigues.

            Prosseguiram os trabalhos de controle da doença com destaque para alguns especialistas na área como Sálvio de Mendonça, Marcellino Rodrigues Machado, Cássio de Miranda e, nas décadas de 1920 e 30, os esforços foram encetados por Aquiles Lisboa.

            No final da segunda década da centúria, na administração de Urbano Santos, foram criados, na capital, o Serviço de Combate às Endemias, o Serviço de Profilaxia Rural e Urbana e o Instituto Oswaldo Cruz com o objetivo de produzir soros e vacinas.

            A segunda fase tem início com a criação da Faculdade de Ciências Médicas do Maranhão, em 1957, atual curso de medicina da Universidade Federal do Maranhão, que foi o marco do desenvolvimento da atual medicina do Estado, principalmente, nas áreas de Saúde Pública, Genética, Cirurgia, Diagnóstico, e Medicina social.

            Embora não dispondo de recursos suficientes que lhe assegurem todos os benefícios decorrentes da pesquisa médica, devido a vários fatores impeditivos, o Estado vem contando com seus médicos que continuam se qualificando, em cursos de pós graduação “Lato e Stricto sensu”, realizados aqui e em outros Estados mais adiantados na pesquisa médica, de forma a criar uma massa crítica e um corpo de pesquisadores responsáveis pela aplicação da medicina que todos esperam. É notável o progresso que vem sendo obtido, nas áreas de diagnóstico, intervenções cardiovasculares e neurocirurgias.

            Não obstante, devemos reconhecer que não somente no Maranhão, mas no Brasil e em outros países, a medicina aplicada não tem acompanhado o acelerado progresso da ciência médica, nos campos da pesquisa e da tecnologia. Isto, com certeza, é devido à elevada demanda pelos serviços oferecidos que não encontra oferta de ambiente adequado nem de recursos humanos para atendê-la, pela falta de eficazes políticas nos setores da saúde e social, o que se reflete, negativamente, na relação médico-paciente tão importante para o êxito do pleno exercício da medicina.

 

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