Dias atrás,
numa entrevista de televisão, um cidadão das altas esferas deu a impressão de
ser um daqueles que, num gabinete climatizado, enchem a cabeça de estatísticas
e passam a ditar normas para o Brasil inteiro. Sou capaz de afirmar, com todo
respeito, que referido cidadão – e, provavelmente, os que advogam a vinda dos
médicos estrangeiros para o Brasil – não conhece a nossa realidade,
especialmente o interior do Nordeste. Confunde Campinas, por exemplo, com
municípios do interior do Maranhão, e cita estatísticas da Inglaterra – que
está, em condições de trabalho para os médicos, a anos-luz de distância de nós
-, para justificar as suas convicções.
Essas pessoas
deveriam conhecer para poder falar. Ir ao interior, circular pelas nossas
cidades, percorrer as trilhas no lombo de burros, ver a pobreza das palhoças,
sentir a dor das promessas não cumpridas e a decepção de ter contribuído para a
eleição de certos líderes.
As
precariedades do meio se refletem nas condições de trabalho dos médicos. É
comum ver-se – não só no Maranhão – o modo deficiente como funcionam muitas
unidades de saúde. Construir é mais fácil do que fazê-las funcionar e
mantê-las. O médico, como profissional, é limitado por essas deficiências.
Um dos tópicos
abordados pelo cidadão da entrevista foi o tempo necessário para a formação de
um especialista médico. Deu como exemplo um neurologista que, após os seis anos
do curso regular, necessita de mais cinco para a pós-graduação. Tudo bem, mas
faltou dizer que, para se manter na crista da onda, o médico tem que estudar
por toda a vida, dentro ou fora de uma universidade. O esforço tem que ser
contínuo, e os onze anos citados são apenas o começo.
Não é só isso.
Infelizmente não é só isso. Dias atrás, a televisão mostrava um motorista do
Senado que recebe por mês nada menos que R$21.000,00. Isso soa como uma
zombaria para a classe médica, principalmente de São Luís, pois é quase seis
vezes o salário de um médico da nossa prefeitura! E mais: duvido que alguém,
trabalhando exclusivamente como médico assalariado no interior, receba os
polpudos vencimentos que andam apregoando por aí. Sou capaz de afirmar que nem
os prefeitos – sim, os prefeitos! – limpo, limpo, recebem isso.
Tempos atrás
uma pesquisadora da UFMA falava de um trabalho que fizera junto a médicos de
São Luís. Dizia, dentre outras coisas, da sua surpresa para a resposta que
muitos deram ante a pergunta: “O que o senhor faz nos momentos ociosos, como
lazer?” A maioria respondeu: “Dormir”. A conclusão foi que eles aproveitam tais
momentos para descansar. Preferem permanecer na Capital, onde as condições de
trabalho são menos ruins, mesmo sendo mal pagos e tendo que trabalhar em
dobro.
A “importação”
de médicos estrangeiros tem um cheiro de manobra escusa. Faz supor a existência
outros interesses. A UFMA, só para citar um exemplo, forma em média 50 novos
médicos por ano. Deem-lhes condições de trabalho e salários dignos, que eles
estarão onde for necessário.
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