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domingo, 26 de junho de 2011

A ARTE DE CURAR - O PAJÉ.

Prof. Aymoré Alvim.

            Os índios do Maranhão, segundo narrativa de d’Abbeville, eram fortes e gozavam de boa saúde. Tinham à sua disposição uma dieta farta e variada. As patologias, embora identificadas apenas pelo quadro sintomatológico apresentado, se restringiam a uma nosografia pouco expressiva.
            Sugestionável e místico, o índio atribuía a origem das suas doenças à vontade das divindades nas quais acreditavam ou à ação de inimigos através de feitiços.
            É nesse mágico universo que emerge a força xamanística do pajé, uma espécie de médico, feiticeiro, líder espiritual que desfrutava, até certos limites, do respeito e consideração de todos da tribo, pois assim como podia curar podia também lançar maldições cujos efeitos negativos influenciavam bastante a sugestionável mente desses aborígines.
            A formação de um jovem para substituir o velho pajé exigia todo um procedimento ritualístico de iniciação. Submetia-se a prolongado jejum, comia alimentos exóticos, ingeria poções secretas, se inteirava das relações com o sobrenatural além do aprendizado para saber usar a rica flora local.
            Temido, a ele todos recorriam em busca de benzeduras e talismãs para mal olhado ou para encomendar alguma poção para seus males. Aplicava massagens, fazia sangrias e sob efeito de alucinógenos dizia entrar em contato com entidades superiores que lhe revelavam ou lhe permitiam vaticinar a causa de uma doença ou a medicação indicada. Cobrava pelos serviços prestados. Quando desenganava um paciente, este era abandonado à própria sorte pelos familiares para morrer ou o matavam para aliviar suas dores. Mas se falhasse nos seus vaticínios ou não obtivesse sucesso na sua medicação seu trabalho era ridicularizado pelos parentes do doente e, não raras vezes, morto.
            Físicos, cirurgiões, barbeiros eram profissionais desconhecidos na região. Nem mesmo nas expedições empreendidas por franceses ou pelos mesmo pelos portugueses para reintegração de posse, esses profissionais se faziam presentes apesar dos perigos decorrentes das guerras que travavam. Não raras vezes lê-se que nas expedições portuguesas para desalojar o invasor havia reclamação dos comandantes pela falta de pelo menos barbeiro e mezinhas (medicamentos) em face dos riscos que corriam.
            Moreno relata que ao longo dos preparativos para a conquista do Maranhão aos gauleses houve protestos pela falta desses profissionais e de mezinhas considerando que S. Majestade já havia instruído a presença dos mesmos nas naus que partiam dos portos portugueses para essas jornadas de extremo perigo.
            Como exceção, há referências, em Cunha e Meireles, sobre um Monsieur Thomas de Lastre, cirurgião de La Ravardière que fora enviado com mezinhas, durante as negociações do armistício firmado com Mathias de Albuquerque, para curar os feridos de ambos os lados.
            Em nenhuma outra ocasião, esse cirurgião teve suas atividades referidas pelos historiadores, pelo que se pode concluir que a sua permanência, na França Equinocial, pouco ou quase nada contribuiu para alterar o quadro nosológico daquela época, ficando, assim, a assistência aos doentes a cargo do pajé ou a eles mesmos ou seus parentes com os recursos que a flora oferecia. Tal conclusão encontra respaldo em Lacroix quando refere um pedido de indenização à Coroa Portuguesa feito por La Ravardière, durante sua prisão em Portugal, das despesas efetuadas com seus soldados feridos sem, contudo, dizer como e por quem.

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