* João Amilcar Salgado.
Estamos regressando da Ilha de São Luís,
onde, de 07 a 10/11/2012, Aymoré de Castro Alvim nos recebeu para o 17º
Congresso Brasileiro de História da Medicina. Ele é mais do que médico,
cientista, historiador e escritor: é um autêntico maranhense.
Dois
nomes da medicina mineira são fortes ligações desta com a medicina maranhense, duo
que se completa em trio com um presidente da república mineiro. São eles Henrique
Marques Lisboa, Pedro Nava e Afonso Pena. Marques Lisboa foi combater a peste
bubônica em São Luiz em 1904. Contaminou-se, automedicou-se heroicamente e foi
um dos debeladores do sinistro. Essa façanha não teria sido divulgada se Nava
não escrevesse suas memórias. Já Afonso Pena viabilizou a estrada de ferro São
Luiz – Caxias e foi também o primeiro presidente da república a visitar o
Maranhão. Influenciado ou não por tais singularidades históricas, impressionou-me
a semelhança entre a gente maranhense e o povo mineiro, inclusive no apego à
cultura.
Se
me encontrasse e conversasse com o Aymoré em Sabará, Ouro Preto ou Diamantina,
eu o tomaria por plácido cidadão destas comunas. Só que, comparando o Maranhão
com Minas, os historiadores mineiros morrem de inveja. Quando Minas começou sua
vida colonial, os maranhenses já tinham dela 200 anos. Na metade desses dois
séculos, em 1612, receberam em vez da medicina lusa a francesa, na pessoa do
cirurgião Thomas de Lastre. No final dos
mesmos, tiveram o privilégio de receber o padre Antônio Vieira. Para mitigar
tal inveja, lembro que, nesse final dos seiscentos, nascia outro jesuíta,
Matias Antônio Salgado, considerado o padre Vieira mineiro.
Os
pais de Aymoré, certamente sem querer, homenagearam Minas, pois o nome aimoré designa pugnazes indígenas de
Minas, jamais subjugados, insubmissão que causou seu genocídio. E o próprio
sobrenome Alvim é o mesmo de ilustres cristãos-novos atraídos pelo ouro de
nossas entranhas. Em contrapartida, o Maranhão, entre seus médicos ilustres,
contou com Carlos Alberto Salgado Borges, meu inesquecível comparsa em
pedagogia médica, e conta com Natalino Salgado Filho, a quem conheci ainda
estudante, hoje o benemérito da nefrologia do norte-nordeste brasileiro. O que
quero dizer é que os Salgado são galegos luso-compostelos, de assinalada
contribuição, de norte a sul, à unidade brasileira.
Quando
fui pela primeira vez a São Luiz, pedi que me mostrassem o cajueiro de Humberto
de Campos, plantado por ele próprio em sua infância e que marcou minha própria
infância. Pediram-me desculpas, pois o
cajueiro não se achava em São Luiz, mas na cidade litorânea de Parnaíba, hoje
tombado. Humberto, por sinal, deve ser considerado referência na história da
medicina, seja pela doença de que foi vítima, seja porque em suas crônicas
encontramos preciosas informações sobre a medicina de seu tempo.
Por
sua vez, o médico Nina Rodrigues, maranhense de Vargem Grande, nascido há 150
anos, foi homenageado, no encontro, por Arquimedes Viegas Vale, que nos
forneceu dados preciosos de suas origens familiares. O lado baiano da carreira de Nina foi tratada pelo excelente
pesquisador Ronaldo Ribeiro Jacobina. Antônio
Carlos Nogueira Britto e Jacobina formam a linha de frente da historia da
medicina na Bahia, o primeiro, por nos revelar documentação implacável das
escolas médicas oitocentistas de Salvador e Rio de Janeiro; o segundo, por nos
mostrar por inteiro tanto Nina como o incrível Juliano Moreira. Sugiro a leitura do recente livro de
Jacobina LUZES NEGRAS: NEGROS E NEGRAS LUMINOSOS DA
BAHIA (2012).
Eu próprio também falo de Nina Rodrigues no livro
NOS SERTÕES DE GUIMARÃES ROSA (CRV, 2011). Os ninistas, desde o século
19 são bravos polemistas, mas a verdade é que o tema continua em pleno debate,
exatamente no momento do estabelecimento de cotas raciais nas escolas e quando
o Brasil pela primeira vez entrega a ostensivos afrodescendentes altos postos
de mando. No próprio transcurso do congresso em pauta, acompanhamos a façanha
da reeleição do primeiro negro no governo estadunidense, eleição profetizada
por Monteiro Lobato, outro de posições raciais controvertidas, em seu livro O
PRESIDENTE NEGRO (1926) – e de quem também falo no mesmo livro. A invejável
composição racial do Maranhão, muito bem simbolizada em Gonçalves Dias e Coelho
Neto, demais realçada por seu peculiar teor cafuzo, lhe deu riquíssima cultura
e, assim, nada mais própria foi a ocasião desse encontro de historiadores.
Já
de Aymoré Alvim recomendo as obras CRÔNICAS E CONTOS DE UM PINHEIRENSE (2011)
e 400 ANOS DE MEDICINA NO MARANHÃO, assim como aplaudo os versos de seu filho,
Aymoré Filho, forte poeta. No Maranhão, aliás, é mais fácil saber
quem não é prosador e/ou poeta do que fazer a difícil escolha do melhor destes.
E não é que houve disso um vaticínio, quando o beletrista quinhentista João de
Barros chegou a ser um dos primeiros
donos virtuais do Maranhão? Entre outros, cito mais quatro
médicos-historiadores com os quais tive o prazer de trocar preciosas
informações: Aldir Penha Costa Ferreira, autor dos saborosos CONTOS DE
JALECO BRANCO (2010), Haroldo Silva Souza, organizador da obra biográfica ACHILLES
LISBOA (2000), Antônio de Pádua Souza, autor de O VELEJADOR (2009),
de intrigantes contos e novelas, e José Márcio Soares Leite cujo NA DIREÇÃO
DA SAÚDE (2012) é lição haurida de bela trajetória, a ser aproveitada por
todos os administradores de saúde.
Finalmente,
volto a Minas para anotar a grata surpresa da apresentação, em jogral, por
Leila Barbosa e Marisa Timponi, de A POÉTICA DA DOENÇA, poemas descobertos sob papéis íntimos de
médicos juiz-foranos. Constitui feliz iniciativa, que há de ter continuidade. Nasceu
da criatividade dessas incansáveis investigadoras, capazes de farejar e
garimpar qualquer afloramento de coisas do saber e de fino gosto.
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