Páginas

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

COMENTANDO OS CONGRESSOS DE HISTÓRIA DA MEDICINA, EM SÃO LUÍS – MA.*


* João Amilcar Salgado.

Estamos regressando da Ilha de São Luís, onde, de 07 a 10/11/2012, Aymoré de Castro Alvim nos recebeu para o 17º Congresso Brasileiro de História da Medicina. Ele é mais do que médico, cientista, historiador e escritor: é um autêntico maranhense.
Dois nomes da medicina mineira são fortes ligações desta com a medicina maranhense, duo que se completa em trio com um presidente da república mineiro. São eles Henrique Marques Lisboa, Pedro Nava e Afonso Pena. Marques Lisboa foi combater a peste bubônica em São Luiz em 1904. Contaminou-se, automedicou-se heroicamente e foi um dos debeladores do sinistro. Essa façanha não teria sido divulgada se Nava não escrevesse suas memórias. Já Afonso Pena viabilizou a estrada de ferro São Luiz – Caxias e foi também o primeiro presidente da república a visitar o Maranhão. Influenciado ou não por tais singularidades históricas, impressionou-me a semelhança entre a gente maranhense e o povo mineiro, inclusive no apego à cultura.
Se me encontrasse e conversasse com o Aymoré em Sabará, Ouro Preto ou Diamantina, eu o tomaria por plácido cidadão destas comunas. Só que, comparando o Maranhão com Minas, os historiadores mineiros morrem de inveja. Quando Minas começou sua vida colonial, os maranhenses já tinham dela 200 anos. Na metade desses dois séculos, em 1612, receberam em vez da medicina lusa a francesa, na pessoa do cirurgião Thomas de Lastre.  No final dos mesmos, tiveram o privilégio de receber o padre Antônio Vieira. Para mitigar tal inveja, lembro que, nesse final dos seiscentos, nascia outro jesuíta, Matias Antônio Salgado, considerado o padre Vieira mineiro.
Os pais de Aymoré, certamente sem querer, homenagearam Minas, pois o nome aimoré designa pugnazes indígenas de Minas, jamais subjugados, insubmissão que causou seu genocídio. E o próprio sobrenome Alvim é o mesmo de ilustres cristãos-novos atraídos pelo ouro de nossas entranhas. Em contrapartida, o Maranhão, entre seus médicos ilustres, contou com Carlos Alberto Salgado Borges, meu inesquecível comparsa em pedagogia médica, e conta com Natalino Salgado Filho, a quem conheci ainda estudante, hoje o benemérito da nefrologia do norte-nordeste brasileiro. O que quero dizer é que os Salgado são galegos luso-compostelos, de assinalada contribuição, de norte a sul, à unidade brasileira.
Quando fui pela primeira vez a São Luiz, pedi que me mostrassem o cajueiro de Humberto de Campos, plantado por ele próprio em sua infância e que marcou minha própria infância.  Pediram-me desculpas, pois o cajueiro não se achava em São Luiz, mas na cidade litorânea de Parnaíba, hoje tombado. Humberto, por sinal, deve ser considerado referência na história da medicina, seja pela doença de que foi vítima, seja porque em suas crônicas encontramos preciosas informações sobre a medicina de seu tempo.
Por sua vez, o médico Nina Rodrigues, maranhense de Vargem Grande, nascido há 150 anos, foi homenageado, no encontro, por Arquimedes Viegas Vale, que nos forneceu dados preciosos de suas origens familiares. O lado baiano da  carreira de Nina foi tratada pelo excelente pesquisador Ronaldo Ribeiro Jacobina.  Antônio Carlos Nogueira Britto e Jacobina formam a linha de frente da historia da medicina na Bahia, o primeiro, por nos revelar documentação implacável das escolas médicas oitocentistas de Salvador e Rio de Janeiro; o segundo, por nos mostrar por inteiro tanto Nina como o incrível Juliano Moreira.  Sugiro a leitura do recente livro de Jacobina  LUZES NEGRAS: NEGROS E NEGRAS LUMINOSOS DA BAHIA (2012).
 Eu próprio também falo de Nina Rodrigues no livro NOS SERTÕES DE GUIMARÃES ROSA (CRV, 2011). Os ninistas, desde o século 19 são bravos polemistas, mas a verdade é que o tema continua em pleno debate, exatamente no momento do estabelecimento de cotas raciais nas escolas e quando o Brasil pela primeira vez entrega a ostensivos afrodescendentes altos postos de mando. No próprio transcurso do congresso em pauta, acompanhamos a façanha da reeleição do primeiro negro no governo estadunidense, eleição profetizada por Monteiro Lobato, outro de posições raciais controvertidas, em seu livro O PRESIDENTE NEGRO (1926) – e de quem também falo no mesmo livro. A invejável composição racial do Maranhão, muito bem simbolizada em Gonçalves Dias e Coelho Neto, demais realçada por seu peculiar teor cafuzo, lhe deu riquíssima cultura e, assim, nada mais própria foi a ocasião desse encontro de historiadores.
Já de Aymoré Alvim recomendo as obras CRÔNICAS E CONTOS DE UM PINHEIRENSE (2011) e 400 ANOS DE MEDICINA NO MARANHÃO,  assim como aplaudo os versos de seu filho, Aymoré Filho,  forte  poeta. No Maranhão, aliás, é mais fácil saber quem não é prosador e/ou poeta do que fazer a difícil escolha do melhor destes. E não é que houve disso um vaticínio, quando o beletrista quinhentista João de Barros chegou a ser  um dos primeiros donos virtuais do Maranhão? Entre outros, cito mais quatro médicos-historiadores com os quais tive o prazer de trocar preciosas informações: Aldir Penha Costa Ferreira, autor dos saborosos CONTOS DE JALECO BRANCO (2010), Haroldo Silva Souza, organizador da obra biográfica ACHILLES LISBOA (2000), Antônio de Pádua Souza, autor de O VELEJADOR (2009), de intrigantes contos e novelas, e José Márcio Soares Leite cujo NA DIREÇÃO DA SAÚDE (2012) é lição haurida de bela trajetória, a ser aproveitada por todos os administradores de saúde.
Finalmente, volto a Minas para anotar a grata surpresa da apresentação, em jogral, por Leila Barbosa e Marisa Timponi, de A POÉTICA DA DOENÇA,  poemas descobertos sob papéis íntimos de médicos juiz-foranos. Constitui feliz iniciativa, que há de ter continuidade. Nasceu da criatividade dessas incansáveis investigadoras, capazes de farejar e garimpar qualquer afloramento de coisas do saber e de fino gosto.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário